ele falava muito pouco. ela queixava-se muito que ele falava muito pouco. ele escrevia muito e mesmo assim achava que havia coisas extraordinárias para as quais as palavras não chegavam. ela gostava de palavras. não obrigatoriamente de as ler, mas de saber que elas estavam lá à espera de ser lidas. por si e pelos outros. por si. sobretudo por si. como se fossem suas por direito. nessa noite ele acordou porque o calor o fez acordar, não por ter algo para dizer. tinha isso muito claro para si. e como não a queria acordar também, escreveu.
deixou este recado em cima da mesa da cozinha (entalado entre a mesa e um copo de vidro escuro por onde ela bebia sempre antes de ir para a cama) e saiu de casa sem fazer barulho:
quero repetir-te mil vezes o que já sabes
que te quero
que te amo com o corpo todo
quero dizer-te
que tu és mais do que aquilo que eu te empresto (e eu nunca soube o que isso é).
quero dizer-te
que gosto muito de discordar de ti
quero dizer-te
que o que vale a pena nasce da tua boca.
quero beijar-te até a língua ficar cansada (a minha e a tua)
quero beijar-te depois da língua se cansar
quero morder-te o lábio com força e vê-lo sangrar (de tão real que és...)
quero que saibas
tu és muito mais do que aquilo que eu te empresto (e quão fantástico é isso?)
és o meu almoço
és os nossos banhos
és os teus medos e os meus
és a minha desculpa para deixar de sentir culpa
quero dizer-te
que gosto do teu corpo e do teu cheiro
gosto daquilo a que sabes
que faço de olhos abertos aquilo que podia fazer de olhos fechados
quero dizer-te que estar contigo é bom
é muito bom (onde estão os adjectivos?)
é um filme de domingo à tarde e pornografia barata
é aquelas merdas todas que me disseram que era suposto ser e mais qualquer coisa que não sei (não sei, não. não quero, não me apetece) identificar
quero dizer-te
tu és a resposta esfregada na cara dos filhos da puta que me disseram que a vida não podia ser cinema.
(e eu que quase acreditei nesses cabrões...)
quero que saibas
que contigo, supero-me
venço-me e derroto-me todos os dias (e não há nada de luta nisto)
quero dizer-te
que quero fazer as vezes de todos os que vieram antes e dos que hão de vir depois
quero ser o que vem depois de mim
quero fazer-me essa gente toda.
quero dizer-te
eu não te empresto nada. tu és. o que te ofereço é porque quero.
eu não te empresto nada.
tu já eras o mundo inteiro antes de mim.
foda-se,
foda-se,
é mesmo verdade.
de tudo aquilo que descobri de mim, tudo aquilo que descobri que sou, que quero, que está errado no que sinto como certo,
descobri que
não preciso de estar triste, carente, de estar no limbo, alterado, cheio de químicos, de fazer-me outro, de discussão, de música aos berros, de subterfúgios manhosos, não preciso dessa tensão...
porque na verdade...
o amor dá-me tesão.
14 comentários:
bem, só gostava de acreditar que um dia terei um bilete assim, só para mim!xD
LINDO!!!(e eu não sou romantica, ok sou sonhadora às vezes xD)
tu eres tan lindo..
gosto mesmo de saber que estás bem..beijo para os dois.
Uma declaração dessas não se faz duas vezes na vida...acho. Vive bem isso tudo que tens!
Beijinhos!
«tu és a resposta esfregada na cara dos filhos da puta que me disseram que a vida não podia ser cinema» ... genial!
acabei de ler este texto ao puto. e parei, novamente, patinei, como da primeira vez, nessa mesma frase. :)
...
:)
e eu que quase acreditei nesses cabrões.
]
são (c)anos de vida em comum e de imaginários partilhados, Manelito ;)
beijos
Tem dias que chego aqui e voam-me as palavras...
Exactamente como agora.
Arriscar-me-ia a dizer que tu és a prova de que as pessoas conseguem, mesmo, conquistar os seus sonhos.
:)
***
gosto muito! :)
tu e as palavras...
Ai o que eu gostava de voltar a sentir nem que fosse só metade...
Gostei tanto deste texto que me apetece roubá-lo, levá-lo para longe e pensar que fui eu que o escrevi...
Abraços
obrigado pelo elogio, victor.
abraço.
Isto existe...respiro melhor.
senti-me aliviado , obrigado :)
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