terça-feira, 31 de março de 2009

estática #7

– Pouco me importa.
– Pouco te importa o quê?
– Não sei. Pouco me importa.

thank god is fatal


although pratfalls can be fun, encores can be fatal.


aqui


quinta-feira, 26 de março de 2009

o amor dá-me tesão (tu és muito mais do que aquilo que eu te empresto)


ele falava muito pouco. ela queixava-se muito que ele falava muito pouco. ele escrevia muito e mesmo assim achava que havia coisas extraordinárias para as quais as palavras não chegavam. ela gostava de palavras. não obrigatoriamente de as ler, mas de saber que elas estavam lá à espera de ser lidas. por si e pelos outros. por si. sobretudo por si. como se fossem suas por direito. nessa noite ele acordou porque o calor o fez acordar, não por ter algo para dizer. tinha isso muito claro para si. e como não a queria acordar também, escreveu.

deixou este recado em cima da mesa da cozinha (entalado entre a mesa e um copo de vidro escuro por onde ela bebia sempre antes de ir para a cama) e saiu de casa sem fazer barulho:


quero repetir-te mil vezes o que já sabes
que te quero
que te amo com o corpo todo
quero dizer-te
que tu és mais do que aquilo que eu te empresto (e eu nunca soube o que isso é).
quero dizer-te
que gosto muito de discordar de ti
quero dizer-te
que o que vale a pena nasce da tua boca.
quero beijar-te até a língua ficar cansada (a minha e a tua)
quero beijar-te depois da língua se cansar
quero morder-te o lábio com força e vê-lo sangrar (de tão real que és...)
quero que saibas
tu és muito mais do que aquilo que eu te empresto (e quão fantástico é isso?)
és o meu almoço
és os nossos banhos
és os teus medos e os meus
és a minha desculpa para deixar de sentir culpa
quero dizer-te
que gosto do teu corpo e do teu cheiro
gosto daquilo a que sabes
que faço de olhos abertos aquilo que podia fazer de olhos fechados
quero dizer-te que estar contigo é bom
é muito bom (onde estão os adjectivos?)
é um filme de domingo à tarde e pornografia barata
é aquelas merdas todas que me disseram que era suposto ser e mais qualquer coisa que não sei (não sei, não. não quero, não me apetece) identificar
quero dizer-te
tu és a resposta esfregada na cara dos filhos da puta que me disseram que a vida não podia ser cinema.
(e eu que quase acreditei nesses cabrões...)
quero que saibas
que contigo, supero-me
venço-me e derroto-me todos os dias (e não há nada de luta nisto)
quero dizer-te
que quero fazer as vezes de todos os que vieram antes e dos que hão de vir depois
quero ser o que vem depois de mim
quero fazer-me essa gente toda.
quero dizer-te
eu não te empresto nada. tu és. o que te ofereço é porque quero.
eu não te empresto nada.
tu já eras o mundo inteiro antes de mim.
foda-se,
foda-se,
é mesmo verdade.
de tudo aquilo que descobri de mim, tudo aquilo que descobri que sou, que quero, que está errado no que sinto como certo,
descobri que
não preciso de estar triste, carente, de estar no limbo, alterado, cheio de químicos, de fazer-me outro, de discussão, de música aos berros, de subterfúgios manhosos, não preciso dessa tensão...
porque na verdade...




o amor dá-me tesão.




quarta-feira, 25 de março de 2009

porque a beleza também se oferece...


(para a joana, a marta, a noa, o sombra e o billy)

domingo, 22 de março de 2009

estática #6

– ...e em casa tenho 2 pratos, 2 copos, 2 facas, 2 garfos e 2 colheres.
– Sim.
– O segredo é ter sempre 2 de tudo para nunca sentir falta de nada.

sexta-feira, 20 de março de 2009

eram sobretudo pinheiros bravos. dos pequenos.


“que tempos são estes, em que
uma conversa sobre árvores é quase um crime
porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade?”

bertolt brecht






é hoje.

terça-feira, 17 de março de 2009

estática #5

– e tu?
– a vida agora corre sem perigos. sozinhos achámo-nos mais capazes. e estar triste… estar triste sem testemunhas não serve para nada.
– mas e tu?
– hoje sim, estou contente. amanhã logo vejo.
– sim, e tu?
– se quisermos ser justos é ainda mais difícil porque não somos.
– não. e tu?
– podemos ser mais que suficientes para várias pessoas, mas nunca chegamos para uma só. nunca.
– mas e tu?
– é imperativo mudar de supermercado.
– e tu?
– mas isso não importa, pois não? o que importa é o que há-de vir e essas coisas todas.

sexta-feira, 13 de março de 2009

estática #4

- Ouve, ouve, hoje descobri uma coisa.
– O quê?
– Quando não olhas para as pessoas, elas deixam de existir.

sábado, 7 de março de 2009

estática #3

– Mas e depois?
– Depois nada.
– Como assim, nada?
– Ele precisava de dizer coisas. E ela de esquecer o que ele dizia.

sexta-feira, 6 de março de 2009

cinco dificuldades para escrever a verdade IV

"(...) so many questions about the human condition, and they always dissolve to a single one: who am I?

and the answer to that question is: 'I am'.

when we are born we are given a name by which other people recognize us.
we are given a birth date to go along with the name, and we are told our gender.
then we are told the names of things and people surrounding us, subsequently we are told about the world, what is good and what is bad, what we are allowed to do and what not.
at some point, we will learn how to walk and explore the world on our own.
we will attain habits and learn to talk.
subsequently we will be told which religion we belong to, or if we have one.
and then at some other point, we will hear that we are going to die one day.
we are born and we die.
we will be told about god, about others who are different from us, which country we come from and what our people are called.
later we will be told other things too, more personal, more intimate things.
we will of course experience sensations and create ideas about what we are like, what the world is like.
we will start thinking, remembering, identifying ourselves with our ideas, our mind.
in short, we will become a person.
at this stage we already identify with the 'I-am-my-body' idea and this is where the suffering starts.
we take what we believe to know to be the true, to be an indisputable fact.
we believe things on hearsay and identify with them, we read about the world in books and newspapers, watch it on tv, we even believe to find proofs of our ideas in what surrounds us, we fantasize.

but where is this 'I' that I seem to know so well in the waking state, when I am sleeping?
where is this 'I' when I am dreaming?
and where is this ‘I’ when I’m in dreamless sleep? (...)"


jessie emkic


cinco dificuldades para escrever a verdade III

“what are you reading?” asks a man’s voice.
“arseny tarkovsky’s poems,” answers a woman in Italian.
“in russian?”
“no, it’s a translation... quite a good one.”
“throw it away,” the man says.
“why? the translator’s a very good poet,” she responds.
“poetry is untranslatable,” he continues, “like all art.”
“you may be right that poetry is untranslatable," she says, "but what about music? music’s for example...”
he interrupts her speech and begins to sing a tune in russian.
she smiles cynically: "what do you mean by that, what do you want to say?”
“it’s a russian song,” he replies.
“but how could we have got to know tolstoy, pushkin (without translation) and so understand russia?”
“none of you understand russia,” the man exhales.
“nor you italy then," she says, "if dante, petrarch and machiavelli don’t help."
"it's impossible for us poor devils," he utters.
"how can we get to know each other?" she asks him.
"by destroying frontiers."


in "nostalgia"
de andrei tarkovsky




quinta-feira, 5 de março de 2009

estática #2 (ela)

- não devia, não devia ter-te deixado entrar assim na minha vida. mas deixei. quando me telefonaste da primeira vez eu disse-te que sim como podia ter dito que não.
o tédio tem dessas coisas...
como tu já conheci muitos. tinhas um brilho qualquer, estavas cheio de ti, bebias demais... (isso eu só percebi depois....)
quando aquele primeiro jantar acabou, juro-te que senti alívio. e achei ridícula a tua insistência, mas deixei-te vir. estava um calor insuportável. eu chorava. não, não, eu queria chorar. mas tu não quiseste saber porquê. agarraste-me nos braços. não era em ti que eu pensava quando me distraía...
sim, os primeiros tempos foram bons. tudo tinha uma importância irreal. tu dizias muitas vezes que o nosso encontro tinha de ser breve para se manter belo. e tinhas razão.
começaste a ir e a voltar dois dias depois. depois três. depois mais. e eu, sem saber, agradecia. a vontade de estar foi diminuindo. quando não sabia o que dizer, e eram muitas as vezes, inventava. e quando a novidade deixou de o ser, o que sobrou era muito pouco. quase nada.
eu adio tudo tanto quanto posso. arrumar a casa, lavar a roupa, o trabalho, ir buscar aquele livro que tenho encomendado há semanas,… mas adiar a vida… e eu sei que estou a adiá-la. eu sei disso. (não sei não sei não sei nada) conheço cada vez mais gente. (eu acho que não conheço ninguém) e não sei o que faço, nem porque o ando a fazer, nem onde estou. (o que é que eu estou a fazer aqui?) mas continuo. quero andar para a frente. (eu tenho de parar) há coisas que se fazem que se desfazem. outras que não. amanhã volta tudo ao mesmo (fugir a tudo para trazer tudo de volta). tu ainda estás a dormir. eu vou deixar.
espero que oiças isto.

estática #2 (ele)

- não devia ter-te deixado entrar assim na minha vida. mas deixei. quando me telefonaste, daquela vez, disse-te que sim como podia ter dito que não.
o desejo tem dessas coisas...
como tu já conheci muitas. estavas cheia de vida, de vontades, fumavas imenso...
quando aquele primeiro jantar acabou, juro-te que o que senti foi um alívio inexplicável. achei um bocado patética a tua insistência mas deixei-te vir. chovia imenso. eu estava tão cansado... tu nem me deixaste tirar o casaco. agarraste-me nos braços. não era o teu nome que eu sussurrava entredentes...
sim, os primeiros tempos foram bons. tu estavas sempre a dizer que o nosso encontro tinha que ser breve para se manter belo. e tinhas razão.
começaste a ir e a voltar dois dias depois. depois três. depois mais. (menos telefonemas) eu agradecia. porque a vontade foi diminuindo. e eu não sabia o que te dizer a maior parte do tempo... e quando a novidade deixou de o ser, o que sobrou era muito pouco. quase nada.
eu adio tudo. arrumar a casa, lavar a roupa, devolver chamadas que considero importantes… mas sobretudo adio a vida. (a vida é uma coisa que não se deseja a ninguém) sim, sim, eu sei disso. (não sei não sei não sei nada) conheço cada vez mais gente. não sei o que faço, nem porque o faço. mas continuo. quero andar para a frente. (tenho de parar) há coisas que se dizem que se desdizem. outras que não. amanhã volta tudo ao mesmo. (fugir ao tédio para trazer o tédio de volta) tu ainda dormes. eu vou deixar.
espero que oiças isto. desculpa.

terça-feira, 3 de março de 2009

estática #1

– quando ela era nova, ela não se sentia bem com o seu corpo. quer dizer, ninguém lhe dizia que ela era bonita. e ela entrou na puberdade muito cedo.
– sim, eu lembro-me.
– depois encontrei-a uns anos mais tarde numa loja de roupa, daquelas caras, e ela disse-me que costumava ir para essas lojas e vestir as roupas mais caras para que as funcionárias lhe dissessem o quão bonita ela ficava com essas roupas. é óbvio que elas diziam que ela ficava linda porque elas querem vender. ela sabia disso.
– elas ganham comissões com essas vendas.