quarta-feira, 16 de julho de 2008
a propósito de nada, um propósito
Variação 3
«Também há patos de aviário»
E: Também há patos de aviário.
G: Sim. Eu sei.
E: Que eles criam para a Páscoa e para o Dia de Acção de Graças.
G: Tu estás a confundir com perús.
E: Patos também.
G: Eles têm-nos? Em cativeiro?
E: Sim. Eles cortam-lhes as asas.
G: Ah...
E: Sim. O quê? Achas bem?
G: Os tempos mudaram.
E: Vandalismo… eles engordam-nos. São alimentados, pelos agricultores, com misturas especiais.
E também têm injecções especiais que lhes dão. Para os manter calminhos.
G: E não conseguem voar.
E: Não. Andam pela quinta o dia todo. Comem.
G: É-lhes permitido acasalar?
E: Isso não se sabe.
G: Ah?
E: Apenas alguns agricultores sabem isso.
G: Sim?
E: O acasalamento dos patos é um assunto privado entre o pato em questão e a sua parceira.
G: Sim?
E: É algo que muito poucos homens testemunharam…e aqueles que o alegam ter feito…
estranhamente preferem não falar no assunto.
G: Há coisas que é melhor não sabermos.
E: Se tu não sabes, nunca poderás ser forçado a contar.
G: Eles têm aqueles bicos para alguma coisa...
E: Tudo é para alguma coisa.
G: Bem verdade.
E: Tudo tem um propósito.
G: Verdade…
E: Tudo o que vive nesta terra abençoada…
G: Sim.
E: …tem um propósito.
G: Patos…
E: Glândulas do suor…
G: Sim.
E: Nós não suamos para nada, sabias?
G: Eu sei.
E: Tudo o que vive tem de suar.
G: Tudo tem um propósito.
(pausa)
O propópsito do suor não é, em si mesmo, muito claro.
E: Sim…
G: Mas… existe.
E: Até as coisas que nós, até este momento, não entendemos muito bem.
G: Claro como água.
E: A migraçãoo do pato para acasalar e descansar um pouco…
G: Propósito.
E: Suor…
G: Propósito.
E: Não há nada que consigas dizer que não tenha um propósito. Nem te dês ao trabalho de tentar.
Não percas tempo.
G: Não tenho pressa.
E: Tudo tem um propósito. O facto de estares, aqui e agora, sentado neste banco, tem um
propósito.
G: E assim sendo, por eliminação, também o banco.
E: A lei do universo é uma lei para si mesmo.
G: Sim. Sim.
E: E será impiedosa para com o homem que tentar brincar com ela.
G: Tu não consegues escapar com nada.
E: E se conseguisses, isso teria um propósito.
G: Ninguém sabe isso melhor do que eu.
E: …bem dito.
(em The Duck Variations de David Mamet)
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1 comentário:
olha, vai lá ao último daqui http://dramapessoal.wordpress.com/2008/07/14/a-contracena/
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